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11/11/2013

Prazer transformado em negócio

GOOD VIBRATIONS 

Por Rosário Mello e Castro*


"A sexualidade feminina está na mira das farmacêuticas. Entre o ponto G, o Viagra feminino e os potenciadores do orgasmo, andará a nossa vida sexual a passar-nos ao lado?"


Quando, em pleno virar do milênio, Liz Canner* aceitou realizar um filme erótico para uma pequena empresa farmacêutica, não sabia que passaria os nove anos seguintes a pensar em orgasmos. Intrigada pelo crescimento acelerado da ciência do prazer feminino, e já com um documentário de sucesso na manga, a jovem realizadora lançou-se à investigação. Só que, em vez de desígnios nobres, encontrou uma industria cheia de segundas intenções.


Foto: Nudes Glamour Fashion. Autora: Paola Kullock



O alarme terá soado ainda mais alto em Fevereiro de 2001. Pouco tempo depois do Dia dos Namorados, a conhecida apresentadora Oprah Winfrey* declarava estado de alerta nacional: há uma epidemia secreta a crescer nos Estados Unidos. Chama-se Disfunção Sexual Feminina e afeta quase metade das mulheres. Números que colidiam com as estatísticas anteriormente apresentadas, que apenas atribuíam problemas sexuais a cerca de 12% da população feminina. Estariam as mulheres a viver um momento de crise sexual ou apenas cansadas de mudar as fraldas dos filhos? o documentário Orgasm Inc., denunciou o lado mais negro da demanda farmacêutica por fórmulas capazes de acender o desejo sexual feminino, mas deixa muitas outras questões por resolver.

O aproximar da relação entre as mulheres e as diferentes formas de viver a sua sexualidade não é de agora. “Há algum tempo que as sex shops deixaram de fazer parte do submundo masculino”, confirma a sexóloga Marta Crawford*, conhecida pelas suas participações televisivas e pelos artigos na imprensa nacional. “A partir do momento em que há lubrificantes e minivibradores à venda nas farmácias e nas lojas de decoração, sabemos que estamos a evoluir”, acrescenta. Mas, numa altura em que as investigações científicas incluem procedimentos como o rejuvenescimento vaginal ou a injeção do amor, nada é o que parece. Será a relação sexual exclusivamente coisa do passado? E o que dizer das atitudes femininas perante tudo que à sua volta tem acontecido?

Sentado num elegante café lisboeta, Flávio Gikovate* reconhece que se fala e se pratica mais sexo, mas assinala um impasse determinante. “Desde os anos 60, época em que a descoberta da pílula estimulou uma revolução sexual sem precedentes, que não ocorrem grandes progressos nesta área.” Científicos ou não. Por outro lado, continua, “não restam dúvidas de que os avanços mais importantes aconteceram com as mulheres, hoje muito mais livres e com maior acesso à educação, onde já ultrapassam os homens”.

O conhecido psicoterapeuta brasileiro está na capital para falar sobre Sexo (da MG editores, distribuída em Portugal pela Dinalivro). Ao trigésimo livro publicado, e depois de refletir sobre temas como o amor ou o vício, era inevitável voltar a dedicar um livro à sexualidade humana. “Persistem inúmeros enganos e preconceitos por resolver”, justifica. A começar pela própria relação sexual, que se “transformou numa acrobacia, que implica atos quase heroicos de parte a parte”, brinca.

Será também essa a explicação por detrás da cruzada pela descoberta do Viagra feminino, o Santo Graal dos produtos sexuais. Entre alguns avanços e muitos recuos, encontrar uma fórmula eficaz, mas também comercializável, é uma vontade antiga das farmacêuticas. E a verdade é que a sua procura derivou, pelo menos em parte, do interesse das mulheres em experimentá-lo (admitamos que ver Samantha, de O Sexo e a Cidade, a viver o mais estridente dos orgasmos depois de o seu parceiro lhe oferecer o pequeno comprimido azul é, no mínimo, tentador).

“A ‘medicalização’ do orgasmo feminino é uma tendência real, mas também um risco, pois as mulheres são vulneráveis a um sempre-número de fatores, da auto-estima à educação”, diz-nos Marta Crawford. É também isso que reflete a experiência clínica de Gabriela Moita, para quem ainda são muitas mulheres que suspiram por melhores vidas sexuais. “Há muito a fazer para tornar real o mito da libertação sexual”, diz-nos a psicóloga, doutorada em Sexologia. “Se, no século XIX, as verdadeiras mulheres não tinham prazer e as que tinham eram doentes, hoje, se as mulheres não tem prazer, só podem estar doentes”, avalia. Haverá maior espartilho à liberdade do que este? A opinião pode parecer exagerada, mas este é um sinal dos tempos que muitas estatísticas comprovam.

As dúvidas persistem noutros campos da sexualidade feminina. Basta lembrar que três décadas passadas desde a “descoberta” do ponto G, a sua (in)existência continua a dividir psicólogos e sexólogos, e, claro está, a desesperar casais nos quatro cantos do planeta. Mesmo se algumas mulheres (e provavelmente muitos homens) dizem tê-lo sentido, anos de pesquisa e especulação não chegaram para confirmar a presença destes dois centímetros de prazer absoluto. Ainda meses atrás, foi a vez de um grupo de cientistas do King´s College de Londres colocar mais um ponto e vírgula na questão, anunciando a impossibilidade de encontrá-lo. A conclusão surgiu depois de uma extensa análise das anatomias e dos hábitos sexuais de mil e oitocentas mulheres britânicas. “É praticamente impossível achar-lhe o rasto”, terá dito Tim Spector*, um dos líderes da investigação. Mas a determinação do investigador dificilmente acalmará os ânimos de algumas imprensas sensacionalistas e de certos terapeutas sexuais. “Centrar o prazer é um disparate (basta lembrarmo-nos que são mais de 80% das mulheres que precisam da estimulação do clitóris para atingir o orgasmo)”, defende Gabriela Moita. “Para algumas mulheres, o ponto G está no pescoço; para outras, na ponta dos dedos; cada pessoa encontra-os à sua maneira.” Uma tarefa complicada tendo em conta que passamos a infância, e parte da adolescência, a acreditar que o sexo é tão fácil como nos filmes: arrancam-se peças de roupa, soltam-se gemidos e a magia acontece.

As notícias que nos chegam da Universidade de Aveiro confirmam esta atitude. Depois de conduzir um estudo com cerca de sessenta voluntários nacionais, o Sexlab, laboratório de investigação sexual integrado naquela instituição, descobriu que as mulheres excitam-se mais com filmes pornográficos do que os homens. Mas há mais. Experiências que expõem mulheres e homens a imagens de sexo explícito comprovam que ao olhares de ambos são desviados para os mesmos pontos.

“A relação sexual transformou-se numa acrobacia, que implica atos heroicos de parte a parte” (Flávio Gikovate*)


Algo que não surpreende Mário Boto Ferreira*. “Nestas situações, tanto as mulheres como os homens demonstram o tipo de reações fisiológicas que normalmente acompanham a excitação sexual, mas, quando questionados, eles assumem-se mais excitados do que elas”, clarifica. Por outras palavras, os impulsos estão lá, mas não à-vontade para os revelar.

Outros dos “maiores erros do pensamento psicanalítico”, lembra Flávio Gikovate, “é a crença de que sexo e amor fazem parte do mesmo impulso instintivo”, ou que “excitação e desejo são a mesma coisa”. E as diferenças entre excitação e desejo ganham especial relevância na hora de medicar ou não a sexualidade feminina. “O desejo implica atividade, uma busca por algo que nos é exterior; a excitação, por sua ver, identifica um estado interior de inquietação, que pode ocorrer sem influencia exterior”, clarifica o médico brasileiro. Por outras palavras, é normal que os casais que estão juntos há muito tempo sintam menos desejo um pelo outro, mas são muitas as formas de dar a volta à situação. Seja com a ajuda de um novo tratamento, de um vibrador mais potente ou de um tema de Barry White ou Mavin Gaye.


Referências e notas:



  1. *Rosário Mello e Castro. Jornalista e editor da Revista VOGUE/Portugal. Revista VOGUE Portugal set./2010.
  2. *Liz Canner. Cineasta americana, faz documentários sobre arte pública digital e projetos de mídia sobre questões de direitos humanos. Ela muitas vezes emprega tecnologias de ponta para explorar as questões sociais a partir de uma nova perspectiva. Um bom exemplo disso é o seu documentário Sinfonia de uma Cidade que foi aclamado pela crítica. Seu documentário Abraço mortal: Nicarágua, o Banco Mundial e o FMI (1995), foi um dos primeiros filmes a olhar criticamente para os efeitos do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e a política de globalização. Dirigiu o Orgasm Inc.: A Ciência do estranho do Prazer Feminino (Cannes, 2009), um documentário de longa metragem de investigação sobre a indústria farmacêutica e saúde da mulher. Formou com honras em Antropologia e Artes Visuais da Brown University em 1991. Ela possui mais de 50 prêmios, honrarias e subsídios para o seu trabalho, incluindo o Rockefeller Foundation Fellowship Next Generation Leadership para "a criação de projetos inovadores de mídia para o fortalecimento da democracia".
  3. *Oprah Winfrey. Oprah Gail Winfrey (Kosciusko, 29 de janeiro de 1954), mais conhecida simplesmente por Oprah Winfrey, é uma apresentadora de televisão e empresária estadunidense, vencedora de múltiplos prêmios Emmy por seu programa The Oprah Winfrey Show, o talk-show com maior audiência da história da televisão estadunidense. É também uma influente crítica de livros, uma atriz indicada a um Oscar pelo filme A cor púrpura e editora da revista The Oprah Magazine. De acordo com a revista Forbes, Oprah foi eleita a mulher mais rica do ramo de entretenimento no mundo durante o século XX, uma das maiores filantropas de todos os tempos e a primeira mulher negra a ser incluída na lista de bilionários, em 2003. Em 2010, é a única mulher a permanecer no topo da lista por quatro anos. Apresentou o programa de entrevistas, The Oprah Winfrey Show, que ficou no ar durante vinte e cinco anos. Seu último programa foi ao ar em 25 de maio de 2011. Oprah agora irá dedicar-se a sua própria rede, OWN (The Oprah Winfrey Network) e outros projetos pessoais. Oprah também é Psicóloga, e foi a apresentadora mais bem paga da história da televisão estadunidense, e ganha cerca de 50 milhões de dólares por mês com todas as suas incumbências profissionais.
  4. *Marta Crawford. Psicóloga Clínica, pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), especialista em Sexologia Clínica pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Terapeuta Sexual credenciada pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e Terapeuta Familiar pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Foi professora na Universidade Lusófona, pertenceu à equipa de aconselhamento e encaminhamento telefônico da linha SOS Dificuldades Sexuais. Trabalhou no Instituto de Emprego e Formação Profissional e colaborou no acompanhamento psicológico de doentes do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos. Formadora, conferencista e terapeuta, apresentou o programa televisivo "AB Sexo", na TVI em 2005 e 2006,colaborou na rubrica de Psicologia no programa "Factor M" na RTP1, em 2007, e apresentou o programa "Aqui Há Sexo", na TVI24 em 2009. O programa "100 TABUS", estreou em 2012 e atualmente ainda se encontra em exibição na SIC MULHER. Foi cronista do Diário de Notícias, do Mundo Universitário, da revista Lux Woman e do Jornal i. Publicou o seu primeiro livro Sexo sem Tabus, em Outubro de 2006, e Viver o Sexo com Prazer - Guia da Sexualidade Feminina, em Março de 2008, e Diário Sexual e Conjugal de um Casal, em 2011.
  5. *Flávio Gikovate. É médico-psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e escritor. Atualmente apresentando o programa “No Divã do Gikovate”, na rádio CBN, e dedicando a maior parte do tempo à clínica. Com 32 publicados já vendeu um milhão de exemplares, foi colunista na Folha de São Paulo, revista Cláudia, teve um programa na TV Bandeirantes e, desde 2007, apresenta o premiado “No Divã do Gikovate” pela rádio CBN (edição nacional).
  6. *Gabriela Moita. Psicóloga, desenvolve um vasto trabalho na área da sexualidade e é co-responsável, por um programa televisivo sobre amores difíceis (na TV Portuguesa). Tem centrado a sua investigação na área da homofobia, de modo a poder perceber como se pode anulá-la, desmontando a sua construção, e permitir que as pessoas possam viver num mundo que dê possibilidades a todos. Em 2003, recebeu o Prêmio Arco-íris, pela Associação ILGA Portugal, como forma de reconhecimento e incentivo à sua luta contra a homofobia.
  7. *Tim Spector. Professor de Epidemiologia Genética do Kings College de Londres e diretor do Departamento de Pesquisa de Gêmeos e Epidemiologia Genética do Hospital St Thomas, em Londres. Professor Spector formou Hospital Medical School de São Bartolomeu, em Londres, em 1982. Depois de trabalhar em Medicina Geral, ele completou um mestrado em Epidemiologia, e seu grau de MD, da Universidade de Londres, em 1989. Escreveu vários artigos originais sobre a hereditariedade de uma ampla gama de doenças e traços, incluindo dor nas costas, acne, inflamação, obesidade, memória, habilidade musical e sexualidade.
  8. *Mário Boto Ferreira. Psicólogo. Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e doutorado em Psicologia Social.